O Dutch Wax e o corpo imaginário de uma nova Africanidade na cidade do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI

Por
Isabel Martins Moreira
Orientado por
Denise Portinari
Este projeto é protegido
pelo departamento de Artes
& Design da PUC-RIO

No Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI é nítido o avanço da representatividade da população de matriz africana, feminina e negra, em arenas sociais antes pouco habitadas como a academia e a política representativa. Uma busca de imagens na internet pode mostrar que estes avanços são acompanhados por uma transformação na forma como esses corpos se apresentam diante dessas arenas, assumindo qualidades subjetivas e intrínsecas tais como os volumes de cabelos sem tratamentos químicos, e silhuetas que não se encaixam nos padrões de beleza do que se convencionou chamar "Ocidente". Outro elemento marcante observado na apresentação desses corpos é o uso nas indumentárias de um tecido estampado com cores vibrantes e motivos inusitados, o Dutch Wax, conhecido em territórios da diáspora africana como "tecido africano". O Dutch Wax é um tecido de alta qualidade em algodão estampado na Holanda desde meados do século XIX, inspirado no Batik indonésio, e comercializado, majoritariamente, nos territórios da costa oeste da África. Na segunda metade do século XX o Dutch Wax passa a compor o imaginário de uma mulher de matriz africana moderna quando imagens de modelos negras norte-americanas usando cabelos naturais e "estampas africanas" são distribuídas para o mundo em capas de disco de um novo estilo que se propaga no Harlem, bairro de Nova York, o estilo Soul. O Soul acompanha os ideais de um movimento de outra natureza, o movimento pan-africanista, que tende a ver o continente africano e a diáspora negra como uma nação transnacional, de matriz africana, identificada com a experiência da cor de pele escura.

Essa pesquisa entende que os estudos no campo da moda e da indumentária são altamente relevantes em investigações sociais que vão além das pesquisas sobre estilos e técnicas. Aqui vemos o corpo como representação de subjetividades, um corpo político que responde as estruturas de poder e abriga símbolos de identidade e pertencimento. Outras manifestações culturais podem abrigar símbolos que agregam indivíduos em torno de uma comunidade desterritorializada, uma idéia de nação que ultrapassa limites de tempo e espaço geográfico, como a ligação existente entre o continente africano e os territórios da diáspora negra. Essas materialidades representam o que chamamos de "africanidades", um conjunto de qualidades socioculturais, qualidades tangíveis e intangíveis que são acessadas na construção do imaginário do que é ser "africano". Investigar o uso do Dutch Wax por mulheres de matriz africana no Brasil de hoje pode iluminar o papel que essas protagonistas sociais estão tomando para si na sociedade contemporânea e o possível papel do Dutch Wax na construção do corpo imaginário de uma nova africanidade, diferente de tradicionais imaginários de africanidades como o representado no corpo da Baiana. Para isso estamos conduzindo duas etnografias: A primeira, uma etnografia do objeto que vai apontar para as tessituras do Dutch Wax; e a segunda etnografia, uma pesquisa de campo com alunas e ex alunas da graduação e pós graduação nos diversos curso da PUC-Rio.