No Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI é nítido o avanço da representatividade da
população de matriz africana, feminina e negra, em arenas sociais antes pouco habitadas como a
academia e a política representativa. Uma busca de imagens na internet pode mostrar que estes
avanços são acompanhados por uma transformação na forma como esses corpos se apresentam diante
dessas arenas, assumindo qualidades subjetivas e intrínsecas tais como os volumes de cabelos sem
tratamentos químicos, e silhuetas que não se encaixam nos padrões de beleza do que se convencionou
chamar "Ocidente". Outro elemento marcante observado na apresentação desses corpos é o uso nas
indumentárias de um tecido estampado com cores vibrantes e motivos inusitados, o Dutch Wax,
conhecido em territórios da diáspora africana como "tecido africano". O Dutch Wax é um tecido de
alta qualidade em algodão estampado na Holanda desde meados do século XIX, inspirado no Batik
indonésio, e comercializado, majoritariamente, nos territórios da costa oeste da África. Na segunda
metade do século XX o Dutch Wax passa a compor o imaginário de uma mulher de matriz africana moderna
quando imagens de modelos negras norte-americanas usando cabelos naturais e "estampas africanas" são
distribuídas para o mundo em capas de disco de um novo estilo que se propaga no Harlem, bairro de
Nova York, o estilo Soul. O Soul acompanha os ideais de um movimento de outra natureza, o movimento
pan-africanista, que tende a ver o continente africano e a diáspora negra como uma nação
transnacional, de matriz africana, identificada com a experiência da cor de pele escura.
Essa pesquisa entende que os estudos no campo da moda e da indumentária são altamente relevantes em
investigações sociais que vão além das pesquisas sobre estilos e técnicas. Aqui vemos o corpo como
representação de subjetividades, um corpo político que responde as estruturas de poder e abriga
símbolos de identidade e pertencimento. Outras manifestações culturais podem abrigar símbolos que
agregam indivíduos em torno de uma comunidade desterritorializada, uma idéia de nação que ultrapassa
limites de tempo e espaço geográfico, como a ligação existente entre o continente africano e os
territórios da diáspora negra. Essas materialidades representam o que chamamos de "africanidades",
um conjunto de qualidades socioculturais, qualidades tangíveis e intangíveis que são acessadas na
construção do imaginário do que é ser "africano". Investigar o uso do Dutch Wax por mulheres de
matriz africana no Brasil de hoje pode iluminar o papel que essas protagonistas sociais estão
tomando para si na sociedade contemporânea e o possível papel do Dutch Wax na construção do corpo
imaginário de uma nova africanidade, diferente de tradicionais imaginários de africanidades como o
representado no corpo da Baiana. Para isso estamos conduzindo duas etnografias: A primeira, uma
etnografia do objeto que vai apontar para as tessituras do Dutch Wax; e a segunda etnografia, uma
pesquisa de campo com alunas e ex alunas da graduação e pós graduação nos diversos curso da PUC-Rio.